Como Star Wars moldou uma geração

Star Wars é um filme que começa no velho oeste, e então seu ritmo cresce freneticamente, aumentando e expandindo seu alcance, até que finalmente ele se torna a Segunda Guerra Mundial. É a história de vagabundos e sonhadores, que encontram seu propósito no meio do nada, e acabam liderando a revolução contra um império. Você não pode sequer imaginar uma história mais essencialmente americana do que o Star Wars original.
A ópera espacial de George Lucas chegou num momento em que a América estava paralisada pela dúvida. O presidente havia renunciado por causa de um escândalo, ao mesmo tempo que o país era forçado a se retirar do Vietnã, depois de uma guerra em que os EUA tiveram sua moral comprometida. Estagnação e inflação impediam o crescimento da economia, e a América parecia ser incapaz de realizar qualquer coisa como uma nação.
Quando estreou, Star Wars foi um choque de puro otimismo e simplicidade moral, que veio no momento certo para fazer-nos sentir como nós mesmos novamente. Como o Washington Post disse que em 1983, Star Wars “ajudou a fechar algumas das feridas psicológicas deixadas pela guerra no Vietnã. Refletia os anseios politicamente descomplicados: estar do lado certo, para lutar ao lado da justiça contra a tirania.”
O que George Lucas realmente queria era criar uma polêmica contra excessos norte-americanos, em que o Império do mal era na verdade o próprio Estados Unidos. Mas Lucas também queria referenciar todos os filmes que ele assistiu quando ao longo da sua juventude, como Westerns, seriado de Flash Gordon e filmes da Segunda Guerra Mundial. E ao copiar filmes que eram essencialmente propaganda para a exaltar o poderio militar americano, Lucas conseguiu reduzi-los para a mais pura expressão da mitologia nacional.

Apocalipse Now

Pouca gente sabe, mas em 1975, George Lucas estava em uma encruzilhada. Ele deveria dirigir Apocalypse Now, uma releitura corajosa da guerra do Vietnã em Heart of Darkness, de Joseph Conrad. Lucas tentava a anos tirar Apocalypse Now do papel, enquanto seu parceiro de produção Gary Kurtz procurava por locações. E depois do sucesso de O Poderoso Chefão parte 2, seu amigo e mentor Francis Ford Coppola finalmente havia conseguido carta branca para rodar Apocalypse Now. Mas Lucas paralelamente tinha passado os últimos dois anos escrevendo tratamento após tratamento de um roteiro chamado Star Wars. George encontrava-se dividido sobre qual filme fazer primeiro. Até que Coppola lhe disse que era agora ou nunca para Apocalypse Now.
Para seus amigos, Apocalipse Now parecia ser a jogada inteligente. Lucas era, afinal, um diretor de filmes independentes. Era a sua vez de fazer uma algo marcante, audacioso e corajoso: seria seu Chinatown, seu Taxi Driver.
Mas Lucas decidiu que não poderia deixar Star Wars para depois, foi então que deixou a produção de Apocalypse Now, e Coppola acabou dirigindo ele mesmo. A razão foi porque Lucas queria fazer algo para as crianças, depois que viu como seu filme anterior, American Graffiti, havia ajudado adolescentes a se posicionar.
Em 1977, em entrevista a Rolling Stone, Lucas explicou mais: “Eu vi que as crianças de hoje não têm chance de explorar mundos de fantasia do jeito que nós tivemos. Eles não têm westerns, eles não têm filmes de piratas, eles não têm séries fantásticas que nós costumávamos acreditar. Não que realmente acreditássemos… mas nós adorávamos. Não há nada além de filmes policiais, e alguns filmes como Planeta dos Macacos. Eu percebi que o elemento mais destrutivo na cultura seria toda uma geração de crianças que cresceriam sem essas histórias.”

 


Muito antes de Lucas começar a falar de Joseph Campbell e O Herói de Mil Faces, o livro sobre os mitos e contos de fadas, ele havia reconhecido que Star Wars tinha uma dívida enorme para com os filmes de sua juventude.
De fato, Lucas afirmou que Star Wars iria abordar as mesmas ideias como sua versão de Apocalypse Now, apenas mudaria para outra galáxia num passado distante. Ele queria Star Wars para ser uma história sobre um opressor desumano que era derrotado por uma revolta de nativos. E nos primeiros rascunhos, o Imperador foi baseado em Richard Nixon.
Star Wars foi destinado a ser uma releitura sobre o Vietnã. Lucas tentava retratar o Império como os militares dos EUA. Isto fica muito claro em O Retorno de Jedi, o terceiro filme da trilogia original, onde o Viet Cong, mostrar-se na forma dos Ewoks. A pequena força primitiva que derruba um império tecnológico poderoso.

 

 

 

Lucas não teve sucesso em transmitir plenamente os temas políticos que ele queria, até que anos mais tarde ele os introduziu nas prequels, e talvez como resultado, os novos filmes não caíram no gosto dos fãs.
Um artigo de 1983 do Washington Post conta que a principal contribuição de Lucas nos Star Wars originais consiste do rejuvenescimento dos gêneros de ação moribundos de Hollywood, incluindo os temas de capa e espada, faroeste, melodrama de guerra e séries de ficção científica.
Assim, a história de Star Wars, na mente de Lucas, era algo subversivo e hiper-político sobre a prepotência do poderio americano. Mas ele também estava determinado a trazer de volta os otimistas filmes de verão de sua juventude, e ele foi muito bem-sucedido em copiar os filmes matiné, aventuras que ele tinha amado quando criança (mesmo que ele alegue que não acreditava neles) do que tentar passar algum tipo de mensagem antiautoritária.   Ninguém nunca saiu do Star Wars dizendo “Cara, foda-se a América”.

Sobre mocinhos e bandidos

Na verdade, ninguém nunca vai assistir um filme e se identificar com o vilão, exceto talvez se eles são interpretados por Alan Rickman ou Sigourney Weaver. E Star Wars, em particular, faz um trabalho magistral de fazer você se identificar com Luke Skywalker e a Princesa Leia. Luke Skywalker possui a característica de três tipos de heróis americanos: garoto da fazenda, predestinado a grandeza e que aprende a entrar em um bar cheio malfeitores sem medo. O anseio de Luke em encontrar e descobrir o seu destino é o gancho emocional de Star Wars, o que nos faz identificar com muitas vertentes da mitologia sobre exploradores, aventureiros e salvadores.

 

 

 

Todos sonhamos em estar na galáxia distante, lutando contra Tusken Raiders e Jawas para mostrar nosso domínio sobre a terra e exercer controle sobre os dróides. Ou ser um andarilho heroico como Han Solo, que não dá a mínima, mas tem um coração não tão gelado quanto parece. Ou líder da revolução, que é o papel que a Princesa Léia se encaixa na maior parte do tempo, quando não está sendo uma donzela relutante em perigo.
Com o tempo, ao chegar no final do filme, há combates de naves espaciais e bombardeios, e então o filme se tornou a segunda Guerra Mundial, a última guerra que os Estados Unidos lutaram onde praticamente todo mundo concordou estarem do lado certo, e que inequivocamente ganhou.

Star Wars – Uma Nova Esperança, não é só uma aventura emocionante escapista. É também triunfalista e cheio da promessa de que a guerra pode ser gratificante e digna. Mesmo se você ignorar o fato de que ele termina com Luke e Han recebendo medalhas em uma cerimônia que parece fascista.

 

 

 

Star Wars é claramente sobre a guerra, mas porque foi ambientado no espaço e tem um cenário de ficção científica, era capaz de tocar em narrativas que tinham sido usadas para antes da guerra do Vietnã, mas de uma forma que não invocar abertamente os temas militares de não-ficção, já que as pessoas ainda estavam relutantes em ir aos cinemas.
Claro, havia uma abundância de filmes reais sobre o Vietnã, incluindo Apocalipse Now. Star Wars era uma forma que Hollywood descobriu de contar histórias heroicas militares, mas de uma forma de não trazer para tão perto de casa, ainda mais logo depois de uma guerra real. Star Wars mostrou heroísmo militar americano em um cenário que era seguro porque era oficialmente um mundo de fantasia.

 

 

 

O genial de Star Wars não é apenas que ele traz de volta a guerra como tema de filmes, mas ele permite você fantasiar sobre ser o “bom rapaz” em uma guerra que pode ser vencida. Até certo ponto, isso era uma perspectiva que foi encerrada na vida real pelas invenções de armas de destruição em massa, que tornam qualquer vitória muito confusa e cara. Star Wars inclui uma tal arma, a Estrela da Morte, que é o ponto focal para todas mensagens de Lucas sobre um “terror tecnológico” que ele trouxe ao longo de Apocalypse Now. Mas em um dos muitos momentos do filme de “a sorte estar ao seu lado”, a Estrela da Morte acaba por ter uma fraqueza fatal, e sua destruição torna o combate o modo de definição de batalha na galáxia de Star Wars, mais uma vez.

A era do Blockbuster

A maioria de nós, nerds, falamos de filmes dos anos 1980 com uma reverência especial. Os anos 80 tiveram os primeiros filmes sucesso de público, os “blockbusters” em que o verão pertencia a heróis maiores do que a vida e ação interminável. Esses filmes tiveram uma pureza e uma inocência, que eram tão emocionantes como suas sequências de efeitos visuais.

 

 

 

Quando você assiste a um filme dos anos 80 hoje, o ritmo parece mais lento e nota que os efeitos são bem mais simples do que os dos filmes mais recentes. Mas esses filmes ainda têm muito em comum com filmes de hoje, em seu foco em emoções, ação e espetáculo. Quando você assiste a um filme da década de 1970, porém, é muito diferente.
A década anterior a Star Wars é dominada por fitas mais lentas, filmes de ficção científica mais meditativos. Uma tonelada desses filmes são distopias, ou mundos pós-apocalípticos. Em vez de Arnold Schwarzenegger detonando, há Charlton Heston rangendo os dentes através de uma série infinita de futuros confusos. Há raramente um final feliz, ou uma saída fácil.
E Star Wars, mais do que Tubarão ou Contatos Imediatos do Terceiro Grau, ambos de Spielberg, criou um novo modelo para filmes de grande sucesso. Nestes filmes dos anos 1980, não há um monte de nuance. As coisas tendem a ser “bem contra o mal”, “nós e eles”, e as linhas morais claras. “Ou você está de um lado ou o do outro”.

 

 

 

Você já se perguntou se Star Wars não tivesse reinventando o blockbuster, juntamente com Tubarão, será que teríamos um Rambo? Será que teríamos todos aqueles filmes que divertidos e que aumentam a autoestima dos anos 80?
Volte seu olhar para Star Wars, o original. Pense sobre ele no contexto de 1977. Ele não se parece com 1977. Não fala sobre os maus momentos que a América estava passando. Parece muito mais a década de 1980. É otimista, é militarista. É armado até os dentes e ingênuo como uma criança.
O filme teria se tornado um enorme fenômeno mesmo que George Lucas tivesse dirigido Apocalypse Now em vez de Star Wars. Os avanços na tecnologia teriam garantido mais ação no espaço, explosões melhores e um espetáculo maior. Mas Star Wars encontrou uma maneira de traduzir o otimismo descomplicado de filmes de meados do século XX a um novo idioma, e isso ajudou os filmes da década de 80 a serem muito mais otimistas, e moralmente simples.

Cultura, Política e Star Wars

A cultura pop molda a política, tanto quanto o contrário. Nossos filmes, programas de TV, jogos e outros meios de comunicação ajudam a criar a nossa matriz de ideias sobre como o mundo funciona. Nossos heróis ficcionais representam nossas imagens internalizadas dos tipos de pessoas que gostaríamos de ser na vida real. Vitórias ficcionais fazer-nos acreditar que podemos triunfar sobre problemas da vida real, que achávamos insuperáveis.

 

 

Ronald Reagan estava concorrendo à presidência dos EUA, assim como a campanha de marketing para o segundo filme de Star Wars, O Império Contra-Ataca, estava atingindo seu auge. Star Wars não representou apenas uma aventura high-tech no espaço, mas nostalgia. A trilogia original não se passa em um momento “muito, muito tempo atrás”, mas se passa como um produto de uma época anterior, mais simples. A campanha de Reagan “Morning in America” combinou perfeitamente com o sentimento de otimismo nostálgico que Star Wars representava.
Como o artigo do Washington Post de 1983 deixa claro, os americanos estavam cansados de se sentir mal sobre si mesmos, e mal pelo derrotismo, e Star Wars era uma porta de entrada para um novo triunfalismo. Poderíamos explodir a Estrela da Morte e ir para casa. Poderíamos ser os mocinhos, sabendo exatamente quem eram os bandidos.
As políticas de Reagan foram explicitamente ligadas a Star Wars em duas ocasiões: Uma vez, quando ele descreveu a União Soviética como um “império do mal”, e outra vez quando seu programa de defesa antimísseis foi apelidado “Star Wars”. Diz-se que ambas referências foram mais ou menos acidentes. Segundo o redator de discursos de Reagan, eles não tinham a intenção de usar “Império do Mal” como uma referência a Star Wars, mas mesmo assim o discurso foi transmitido ao mesmo tempo em que a HBO passava pela primeira na TV o Star Wars original. As pessoas apenas fizeram a conexão.

 

 

 

Quando você olha o Império pelo prisma da Guerra Fria, ele se parece como uma caricatura da União Soviética. É altamente burocratizado, sem democracia, a tecnologia não possui alma e uma tem uma administração imperial. É fácil ver o Império como uma referência dela.
No final de 1970, indo para os anos 1980, a história dos rebeldes contra o Império assumiu algumas conotações políticas. A ideia de se rebelar contra este tipo de governo sem rosto era um tema no filme, e dependendo do seu ponto de vista político, você conseguia identificar esse tema nos discursos do presidente Reagan contra a USRR. Certamente acho que ele capturou o espírito do momento.

E Reagan, um ex-ator, também estava consciente de que este era um novo momento, em que os filmes passariam a ser mais imersivos e espetaculares do que antes. “O filme não mostra só o que devemos ver e ouvir, mas sim, como devemos nos sentir.” Na América de Reagan, nós não apenas nos identificamos com Luke Skywalker e seus amigos, mas também vimos eles como as melhores representações de quem realmente somos por dentro.

 

Adaptado livremente do original em inglês. Publicado originalmente em io9.com

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Thiago Amadigi
Thiago Amadigi
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Co-founder da B! e filmmaker. Star wars, vídeo game e Madonna, sempre. Tenho dificuldades para me equilibrar na cadeira do escritório. Gosto de discutir os grandes temas da vida: MasterChef, política e cinema. Nessa ordem.

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