28 nov Os Rituais de Passagem em Star Wars
OS RITUAIS DE PASSAGEM
“Os rituais das primitivas cerimônias de iniciação têm sempre uma base mitológica e se relacionam à eliminação do ego infantil, quando vem à tona o adulto, seja menina ou menino. A coisa é mais dura para o menino, já que para a menina a passagem se dá naturalmente. Ela se torna mulher, quer tenha essa intenção, quer não tenha, mas o menino precisa ter a intenção de se tornar um homem. Com a primeira menstruação, a menina já é uma mulher. O passo seguinte, ela sabe, é ficar grávida, é ser mãe. O menino, primeiro, tem de se separar da própria mãe, encontrar energia em si mesmo, e depois seguir em frente. É disso que trata o mito do “Jovem, vá em busca do seu pai”. (CAMPBELL, 1990, p. 151)
Os rituais de passagem estão muito presentes nos filmes de Star Wars. Eles são os pontos de virada da história. E acontecem da mesma maneira nas duas trilogias.
Para fins de análise, vou separar os episódios em duas partes de três filmes cada. A primeira trilogia é composta pelo episódio um, A Ameaça Fantasma (1999), episódio dois, O Ataque dos Clones (2002) e o episódio três, A Vingança dos Sith (2005). A segunda trilogia é composta pelo episódio quatro, Uma Nova Esperança (1977), episódio cinco, O Império Contra-Ataca (1980) e pelo episódio seis, O Retorno de Jedi (1983). Originalmente, a série foi produzida iniciando-se pelos episódios IV, V e VI, contando a história do meio para o final. Vinte anos depois o diretor George Lucas resolveu contar a pré-história da trilogia original, com os episódios I, II e III, e assim fechando a história, contando-a do início ao meio.[1] A separação em duas trilogias se faz necessária, pois se assistidas na ordem em que foram produzidas, nos dão uma visão diferente se assistidas na ordem cronológica dos fatos. Essa pequena diferença altera, principalmente, a nossa percepção sobre o herói e o vilão da história.
Vou trabalhar neste artigo as duas trilogias em seus pontos em comum: os rituais de passagem. Os rituais de passagem ocuparam lugar de destaque em sociedades primitivas, mas também são presentes em civilizações modernas, pontuando a vida das pessoas, principalmente através das religiões, seitas ou cultos. “Tem como característica a prática de exercícios formais de rompimento normalmente bastante rigorosos, por meio dos quais a mente é afastada de maneira radical das atitudes, vínculos e padrões de vida típicos do estágio que ficou para trás.” (CAMPBELL, 1990, p. 20). Esses ritos marcam pontos de desprendimento, onde antigas atitudes são abandonadas, e novas são aceitas.
“O percurso padrão da aventura mitológica do herói é uma magnificação da fórmula representada nos rituais de passagem: separação-iniciação-retorno – que podem ser considerados a unidade nuclear do monomito[2].” (CAMPBELL, 2003, p. 36).
A separação, a iniciação e o retorno são as fases do percurso pela qual a personagem vai desenvolvendo as suas habilidades, para poder alcançar o seu objetivo. Sem essas fases não existe a jornada do herói. São elas que instigam, provocam, tentam o herói, para que a sua busca seja a mais completa possivel. É justamente dessa maneira que acontece com os nossos heróis Anakin Skywalker e Luke Skywalker.
O herói
“Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios ao seus semelhantes.” (CAMPBELL, 2003, p. 36)
Prometeu foi aos céus, roubou o fogo dos deuses e voltou à terra. Jasão passou até por um dragão para conseguir o velocino de ouro, e assim recuperar o trono que lhe foi tirado. Perseu derrotou a medusa e resgatou a linda Andrômeda. Assim como os heróis mitológicos, Anakin Skywalker (posteriormente Darth Vader), e Luke Skywalker fazem suas jornadas rumo ao desconhecido, enfrentam perigos e retornam com seus objetivos completados, fechando a sua aventura mitológica. Os heróis iniciam sua busca como pessoas normais. Eles têm medo de dar o primeiro passo, mas depois disso, não há mais volta. No decorrer da sua jornada mítica é que eles vão desenvolvendo habilidades e poderes, que desse momento em diante, os distinguirá das outras pessoas. Se forem bem sucedidos na sua aventura, receberão todos os méritos e honras, se não forem, serão esquecidos. “O herói do monomito é uma personagem dotada de dons excepcionais. Frequentemente honrado pela sociedade de que faz parte, também costuma não receber reconhecimento ou ser objeto de desdém.” (CAMPBELL, 2003, p. 41) Além do herói do mito, existe também o herói do conto de fadas. A diferença está justamente no triunfo, no rito do retorno. Enquanto o herói mítico obtém uma vitória que irá influenciar a todos, o herói do conto de fadas triunfa num microcosmo, onde no máximo sua vida e a de mais alguém é beneficiada. É onde se encaixa perfeitamente a frase “e eles viveram felizes para sempre”.
Trajetória de Anakin Skywalker (primeira trilogia)
Anakin era um escravo que vivia no desértico planeta Tatooine. Nasceu de uma gestação espontânea, sem a figura de um pai[3]. Foi encontrado aos nove anos pelo Jedi[4] Qui-Gon Jinn, o qual viu no garoto um excelente potencial. Na verdade, Qui-Gon acreditava que Anakin pudesse ser o garoto que traria equilíbrio a Força[5], segundo uma antiga profecia Jedi. O garoto cresceu, recebeu o treinamento Jedi. Se apaixonou por Padmé Amidala, senadora pelo planeta Naboo. Lutou junto com seu mestre Obi-Wan Kenobi durante as guerras clônicas, mas acabou sucumbindo ao lado sombrio da Força[6]. Ao se tornar um Sith, Anakin recebeu o nome de Darth Vader[7], e acabou matando sua amada Padmé, que estava grávida de gêmeos. Durante a batalha contra seu antigo mestre, Obi-Wan Kenobi, Anakin é gravemente ferido, tendo seus membros mutilados, e o corpo queimado. Anakin é resgatado e salvo, recebendo implantes robóticos que o mantém vivo. Ao lado do imperador Palpatine, Darth Vader caçou e matou milhares de Jedi espalhados pela galáxia. Alguns anos mais tarde, Vader iria encontrar seu filho, Luke Skywalker, que nasceu, junto com sua irmã, Leia, pouco antes de Padmé morrer. Em um confronto com Luke, Vader lhe conta que é seu pai. Durante a batalha do planeta Endor, O imperador Palpatine assiste a batalha entre Darth Vader e Luke, que o derrota. O imperador então começa a matar Luke. Não aguentando o sofrimento de seu filho, Vader arremessa o imperador para a morte, e o salva, mas acaba gravemente danificado pelo poder do imperador. Darth Vader volta a ser Anakin Skywalker, e morre nos braços de seu filho.
Trajetória de Luke Skywalker ( segunda trilogia)
Luke era um jovem fazendeiro, morador do planeta Tatooine. Sua vida mudou radicalmente com a compra dos robôs C-3PO e R2D2[8]. Ao fazer uma limpeza em R2D2, Luke acaba assistindo a uma mensagem holográfica de um pedido de socorro. Ao sair à procura de R2D2, que havia fugido, foi encontrado por Obi-Wan Kenobi. Juntos descobrem que a senadora Leia Organa conseguiu capturar os planos da Estrela da Morte, a superestação espacial bélica do império. Durante a fuga do planeta Tatooine, contratam o mercenário Han Solo e seu parceiro Chewbacca para levá-los a Alderan. Luke recebe os primeiros ensinamentos Jedi a bordo da nave Millenium Falcon. Depois da batalha de Yavin. Luke foi para o planeta Dagoba, onde continuou seu treinamento Jedi com o mestre Yoda[9]. Durante o cerco na Cidade das Nuvens, Luke enfrentou pela primeira vez, Darth Vader, que revelou ser seu pai. Luke terminou seu treinamento Jedi ao retornar ao planeta Dagoba. No confronto final, em Endor, Luke se deixa capturar por Vader, para assim ser levado ao imperador. Na sala do trono, na segunda Estrela da Morte[10], O imperador tenta Luke a matar Vader e tomar o seu lugar, tornando-se seu aprendiz. Luke derrota Vader, mas não o mata. Furioso com a atitude de Luke, o imperador começa a torturá-lo. Luke pede ajuda a seu pai, que mata o imperador, mas acaba gravemente ferido. Luke tentou salvar Vader, mas ele acabou morrendo em seus braços.
A SEPARAÇÃO
O primeiro ritual de passagem que vamos ver, é o de separação. Na primeira trilogia, ela acontece no episódio um, logo após Anakin Skywalker ganhar a corrida de pod racers[11]. Assim que conquista sua liberdade, o seu mentor, o Jedi Qui-Gon Jinn, o convida a ir com ele para a capital da república, para assim iniciar seu treinamento como Jedi. A partir desse momento, o jovem Anakin inicia a sua jornada de herói, que irá culminar com sua morte, durante a batalha final na segunda Estrela da Morte, o último ritual de passagem. Na segunda trilogia temos uma outra jornada do herói, mas com outro personagem, Luke Skywalker. Luke também passará pelos mesmos rituais que seu pai, Anakin. Sua separação ocorre quando Obi-Wan Kenobi, seu mentor, e anteriormente aprendiz de Qui-Gon, o convida a participar de uma missão de resgate. Nos dois casos a separação de seus laços maternos foi difícil. No primeiro, um garoto de 10 anos, escravo que vive com a mãe, no segundo, um jovem que tem seus tios assassinados por soldados do império.
O chamado da aventura
Esse estágio da jornada mitológica do herói, nominado de “o chamado da aventura, significa que o destino convocou o herói e transferiu-lhe o centro de gravidade do seio da sociedade para uma região desconhecida.” (CAMPBELL, 2003, p. 66) Luke recebe o chamado quando vê o pedido de socorro da princesa Leia. A princípio, ocorre a recusa do chamado. Ele hesita em deixar sua vida simples como um fazendeiro para partir em busca de uma pessoa desconhecida que precisa de ajuda. “A recusa à convocação converte a aventura em sua contraparte negativa.” (CAMPBELL, 2003, p. 66) Essa recusa, na maioria dos contos de fadas e mitos, é uma recusa a renunciar aos seus interesses próprios, e não uma negativa ao chamado. Anakin é chamado para iniciar a sua jornada do herói quando Qui-Gon Jinn entra na loja de Watto procurando por uma peça para a sua nave que está danificada. Anakin então resolve ajudá-los, participando da corrida de Pod Racers. Aqui nós temos uma inversão na negativa do chamado. Pois não é Anakin que recusa o chamado, mas sim o chamado que receia em obter a sua ajuda.
O auxílio sobrenatural
“Para aqueles que não recusaram ao chamado, o primeiro encontro da jornada do herói se dá com uma figura protetora (que, com freqüência é uma anciã ou um ancião), que fornece ao aventureiro amuletos que o protejam contra as forças titânicas com que ele está prestes a deparar-se.” (CAMPBELL, 2003 p. 74)
No ritual do chamado, o herói recebe o auxilio de um mentor, aqui representado por Qui-Gon Jinn e Obi-Wan Kenobi. Eles são os responsáveis pela proteção do herói. A bordo da Millenum Falcon, Obi-Wan ensina os princípios da Força a Luke. É comum nas mitologias a figura de um homem como o guia, o mentor, o barqueiro, o condutor de almas para o além. “No mito clássico, esse guia é Hermes-Mercúrio; no mito egípsio costuma ser Tot; e; mitologia cristã, o Espírito Santo.”(CAMPBELL, 2003 p. 77) Obi-Wan Kenobi o convida a entrar em um mundo maior e desconhecido, e o presenteia com um objeto que daquele momento em diante irá protegê-lo dos perigos que irá enfrentar. Durante todo o episódio IV, a lightsaber, ou sabre-de-luz de Luke é usado apenas como amuleto, estando com ele o tempo todo, apesar de não usá-lo. Ele representa “não só um instrumento físico, mas um compromisso psicológico e um centro psicológico. O compromisso ultrapassa o mero sistema de intenções. Você e o acontecimento se tornam uma coisa só.” (CAMPBELL, 1990, p. 160)
Depois de receber o chamado para ajudar a consertar a nave defeituosa que levava a rainha de Naboo para a capital da república, Anakin precisa agora deixar a sua terra, e partir junto com seu guia, Qui-Gon Jinn, para Coruscant[12]. O que Anakin não sabe é que enfrentará o seu primeiro limiar antes da partida. “Tendo as personificações do seu destino a ajudá-lo e a guiá-lo, o herói segue em sua aventura até chegar ao guardião do limiar, na porta que leva à área da força ampliada.” (CAMPBELL, 2003 p. 82) Quem o aguarda, é Darth Maul, um lorde Sith determinado em não deixar que a nave onde Anakin deve embarcar alcance seu destino. Além desse ponto, está o desconhecido, as trevas e o perigo. Na segunda trilogia esse limiar é cruzado no mesmo planeta, Tatooine, a fronteira também é uma nave, e os guias (Qui-Gon, na primeira, e Obi-Wan na segunda trilogia) protegem os heróis, que partem a salvo em direção ao desconhecido.
A INICIAÇÃO
“Tendo cruzado o limiar, o herói caminha por uma paisagem onírica povoada por formas curiosamente fluidas e ambíguas, na qual deve sobreviver a uma sucessão de provas.” (CAMPBELL, 2003, p.102)
A primeira prova do herói consiste em sobreviver ao novo mundo onde ele está chegando. Longe de sua família e amigos, cercado de desconhecidos e potenciais inimigos, ele mergulha em um mundo de solidão. Em Star Wars, esse isolamento é muito visível, principalmente pela infinidade de criaturas alienígenas vistas. A cena da Cantina em Mos Eisley apresenta ao herói o que o espera fora de seu planeta. Luke Skywalker está na Estrela da Morte, a super-estação espacial do império capaz de destruir um planeta inteiro. Seu objetivo: resgatar a princesa Leia. Aqui começa um novo ritual de passagem do herói. A partir desse momento, Luke ja está totalmente separado de sua terra natal e sua família. Elas já não importam mais. Da mesma maneira, na primeira trilogia, Anakin está a bordo de um caça do planeta Naboo, onde se dirige para uma das gigantescas naves da Federação[13]. Anakin tem um objetivo, ajudar a combater as tropas da Federação que invadiram o planeta Naboo. Esses ritos de iniciação pelo qual os dois heróis passam, marcam o início da aventura para eles. Durante esse rito, os heróis passam por todos os tipos de desafios. Essas provas é que vão fortalecer o herói, ou levá-lo a ruína. Os testes pelo qual o herói do mito têm que passar não são simples provas de esforço ou raciocínio rápido, elas são focadas principalmente nos medos do herói. Ele também será tentado a mudar de lado. As tentaçoes são parte decisiva na formação do caráter do herói. Se ele ceder, iniciará uma nova jornada, que talvez culmine com a sua redenção, ou então ele pode enfrentar a tentação, e se tornar ainda mais forte.
Os testes
“Os testes por que passou o herói, preliminares de sua experiência e façanha últimas, simbolizaram as crises de percepção por meio das quais sua consciência foi amplificada e capacitada a enfrentar a plena posse da mãe-destruidora, de sua noiva inevitável.” (CAMPBELL, 2003, p.121)
O mais importante nesse estágio é justamente passar nesses testes, que a partir dessa iniciação se tornam cada vez mais difíceis e perigosos. Ser bem sucedido nos testes é fundamental para alcançar o objetivo esperado. A cada batalha vencida, barreira ultrapassada, o herói vai acumulando experiência para a batalha final. Mas os testes não são fáceis. Lidar com o próprio medo e seus pontos fracos, tornam o herói vulnerável, se ele não estiver preparado para a prova. O herói certamente ouvirá histórias sobre outras pessoas, que tentaram antes dele e falharam. Sucumbiram aos poderes contra o qual ele luta, e que a medida que se aproxima do seu objetivo, vão se tornando mais poderosos. O mais importante teste é aquele que o herói enfrenta ele mesmo. Existe uma guerra interna, o herói cheio de bravura, ávido por chegar ao seu destino final, contra o herói com medo, que exagera nas precauções, que tem medo de falhar, de cair, como muitos outros antes dele. Esse teste o acompanhará sempre, até que ele consiga o seu velocino de ouro, o seu troféu.
Anakin, ao tentar se esconder, durante a invasão do planeta Naboo, aciona acidentalmente a nave onde ele está. Com o piloto automático ativado, a nave o leva até ao espaço, para uma batalha contra as forças da Federação do Comércio. Anakin acaba entrando em uma das gigantescas naves de guerra da Federação, e acidentalmente dispara dois topedos, o que acaba por destruir a nave, e finalizar a batalha. Anakin consegue completar sua prova, contando com a própria sorte, ou melhor, com o seu destino. Esse destino que o irá levar a ser um grande Jedi, cuja reputação será conhecida em toda galáxia. Luke consegue localizar a princesa Leia, na Estrela da Morte, com a ajuda de seus companheiros, eles a resgatam, mas não antes de passar por vários perigos, que os esperam em cada corredor. Luke apesar de cumprir a sua missão, tem um caminho mais árduo pela frente, tendo que resolver problemas sem ter tempo e treinamento suficientes.
As tentações
Durante a trajetória da iniciação, uma das provas pela qual o herói tem que passar é a tentação. Em algum momento alguém irá tentá-lo a mudar de lado, passar do lado do bem para o lado do mal. Anakin passou por várias tentações, e foi se entregando a elas. A última, que selou seu destino, quando ajudou o Chanceler Palpatine[14] a matar o Jedi Mace Windu. Dá início a uma nova jornada do herói, deixando para trás os Jedi, e assumindo uma nova identidade, Darth Vader, que pertence ao lado do mal (o lado dos Sith). As tentações podem ser de diversos tipos, mas vou citar a tentação econômica, política e amorosa como as principais. Nos filmes temos a tentação política e a amorosa como provas para Anakin e Luke.
A tentação política
“Jesus é levado ao topo da montanha, de onde avista as nações do mundo, e o Diabo lhe diz: “Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares”, que vem a ser uma lição, ainda não suficientemente conhecida, hoje, sobre quanto custa ser um político bem sucedido.” (CAMPBELL, 1990, p. 153)
Ao invés de recusar, como Jesus fez, Anakin prostrou-se perante o imperador Palpatine, jurou lealdade, e tornou-se Darth Vader. Anakin cedeu à tentação. Devido a essa escolha, ele separa-se de tudo o que havia vivido, deixava para trás os laços com a Ordem Jedi e iniciava uma nova jornada do herói. Só que agora do lado dos Sith, o Lado Negro da Força. Aqui, Anakin faz uma divisão em sua trajetória. Ele já havia passado pela separação e pela iniciação. Justamente na última parte ele se entrega e abandona esse caminho, para iniciar outro.
Essa nova jornada irá influenciar diretamente a jornada de Luke Skywalker. Ao descobrir que seu filho estava vivo, Darth Vader soube que o destino dele estava em suas mãos. É Vader quem rege o que acontece na vida de Luke, ele o influencia em todas as suas escolhas. Ao planejar o encontro de ambos na Cidade das Nuvens, Darth Vader faz a mesma tentação pela qual passou anos antes. Vader tenta Luke a juntar-se a ele, para derrubar o imperador, e juntos, governarem a galáxia como pai e filho. Ele sabia que sozinho não conseguiria acabar com Palpatine. Mas de alguma maneira, Palpatine também sabia dos planos de Vader e por isso, também ofereceu o lugar de Darth Vader a Luke.
Certamente a tentação política foi a ruína de muitos heróis. O poder tem a magia de enfeitiçar até o mais puro dos corações. Somente os mais preparados conseguem passar por essa prova.
A tentação amorosa
“Santo Antônio, quando praticava sua vida de austeridade na Tebaida egípcia, viu-se perturbado por voluptuosas alucinações perpetradas por demônios do sexo feminino, que se viram atraídos pela sua magnética solicitude.” (CAMPBELL, 2003, p. 125)
O treinamento Jedi inicia-se muito cedo, por volta dos 2 a 4 anos de idade, isso para evitar que a criança se apegue à família e a outras coisas do mundo. Um Jedi não deve ter comprometimento com nada, a não ser com a Ordem Jedi. Ele não possui bens, dinheiro ou família. Seu único objetivo é servir e proteger a galáxia[15]. O celibado dos Jedi tem um fundamento muito parecido com os dos monges e padres: dedicar-se integralmente a Ordem, não permitindo que problemas de ordem pessoal possam interferir na execução de seu trabalho. É muito difícil pensar em um Jedi arriscando a vida para capturar um fugitivo, sabendo que tem uma mulher e filhos pra sustentar. Apesar viverem em uma comunidade, a solidão é um ponto comum. Assim também são os heróis. Poucos são os que desfrutam da companhia de alguém. A jornada geralmente é a provação de uma só pessoa. Os amigos são meros espectadores da aventura em que participam. Eles são apenas apoiadores, para as horas mais difíceis.
Anakin começou o seu treinamento com nove anos de idade. Era muito apegado a sua mãe, e nunca conseguiu se libertar disso. A morte de sua mãe foi o primeiro passo para o lado sombrio da Força, pois para vingá-la, matou uma tribo inteira de Tusken Raiders[16]. Nem mesmo mulheres e crianças foram poupadas. Os Jedi também não podiam ter uma vida amorosa. Apegar-se a alguém leva ao ciúme, e o ciúme leva ao sofrimento. Uma vez nesse caminho, Anakin, que havia se casado em segredo com Padmé, começou a sentir ciúmes de Padmé e Obi-Wan, sentimento que o levou a matá-la e a se voltar contra seu próprio mestre.
Com a Morte de Padmé, e a conversão de Anakin, Os gêmeos Luke e Leia foram separados, Leia foi para Alderan, onde tornou-se senadora. Luke foi entregue aos seus tios Owen e Beru Lars. O assassinato de seus tios pelas tropas do império ajudaram Luke na sua difícil escolha, ajudar ou não a Princesa em apuros? Assim que a resgatou da Estrela da Morte, os gêmeos foram unidos mais uma vez, mas sem que ambos soubessem que eram irmãos. Assim começa uma disputa velada pelo amor da princesa, entre Luke Skywalker e Han Solo. Apesar de ganhar um beijo de Leia, Luke não se deixa levar pela emoção do amor. Sua condição e seus objetivos estão acima disso.
O RETORNO
“Terminada a busca do herói, por meio da penetração da fonte, ou por intermédio da graça de alguma personificação masculina ou feminina, humana ou animal, o aventureiro deve ainda retornar com seu troféu transmutador da vida.” (CAMPBELL, 2003, p. 195)
Darth Vader matou o imperador Palpatine. Ao fazer isso, deixa para trás o lado sombrio da Força e retorna para a luz. A sua jornada como Darth Vader está completa. Assim como sua jornada como Anakin Skywalker, que cumprindo a profecia, trouxe equilíbrio a Força. A importância de se assistir os filmes na ordem cronológica é exatamente chegar a este ponto. Onde Anakin é o verdadeiro herói de todos os filmes. Seu filho Luke também é um herói, foi ele o responsável por trazer seu pai de volta para o lado da luz, mas não foi ele quem libertou a galáxia. Essa tarefa só poderia ser feita por Anakin.
Se você assistiu a trilogia, da maneira como foi lançada nos cinemas, deve estar discordando da afirmação acima. Isto porque víamos Darth Vader apenas com um vilão, que deveria acabar com Luke Skywalker, mas que no final acabou ajudando-o. Por essa perspectiva, ou melhor, vendo apenas a metade final de toda a história Luke é o grande herói. A segunda trilogia é contada a partir do ponto de vista dos robôs C-3PO e R2D2, justamente porque eles participaram de tudo o que se passou antes dela. Nós apenas acompanhamos Luke em sua jornada para resgatar o seu pai, e com isso, cumprir a profecia, e libertar a galáxia. Na primeira trilogia, acompanhamos tudo pela ótica dos Jedi, pois são eles que escrevem a história naquele momento, e de uma maneira ou outra, são os responsáveis pelo que irá acontecer, e também como vai acabar. Star Wars é a história de Anakin Skywalker, sua ascensão, queda e remissão.
Os símbolos da vitória
“O círculo completo, a norma do monomito, requer que o herói inicie agora o trabalho de trazer os símbolos da sabedoria, o Velocino de ouro, ou a princesa adormecida, de volta ao reino humano, onde a benção alcançada pode servir à renovação da comunidade, da nação, do planeta ou dos dez mil mundos.” (CAMPBELL, 2003, p.195)
Luke retorna com o símbolo de sua vitória, a armadura de Darth Vader. Ela representa o fim do império, do caos e da repressão que se instalaram sobre o seu domínio. Agora Luke tem o que precisa para iniciar a reconstrução da república e da nova Ordem Jedi. Anakin, ao ter sua máscara retirada por Luke, dá o segundo passo ao seu retorno para o lado da luz. A máscara o fazia refém do império. Ela também o mantinha vivo. Morrer é o terceiro passo para se juntar a Força. Da mesma maneira como Obi-Wan juntou-se a Força, quando foi golpeado por Vader, Anakin sabe que só morrendo terá sua jornada completada, deixando para trás apenas a armadura negra, que o mantinha prisioneiro do imperador.
Os mitos sempre fizeram parte da cultura do mundo, por mais que eles não sejam lembrados no dia a dia, eles estão presentes em nossas vidas principalmente através das cerimônias religiosas, das novelas, dos filmes, em muitos outros lugares como nome de coisas, marcas, datas comemorativas e monumentos. Desde a canção de ninar até comemorações de escala global, como o natal, são baseados em mitos. Joseph Campbell, com sua obra nos mostrou a importância desses mitos, fazendo uma explanação didática e profunda sobre a condição humana, contando-a a partir deles. Ao tomar conhecimento dessas informações, George Lucas acabou por criar um manual de como contar novas histórias baseado somente na jornada do herói. Ao fazer isso, criou um novo mito, uma história moderna, que acabou virando modelo para muitas outras que vieram depois. A fórmula persiste até hoje. Mas o que realmente distingue os dois filmes, e o que transforma Star Wars em um mito do nosso tempo é a primeira frase do filme: “Há muito, muito tempo atrás, em uma galáxia muito distante…” Ela nos liberta de qualquer comparação com a realidade, muito menos com o futuro. Tudo o que é mostrado já aconteceu, é imutável (exceto se Lucas quiser). Seus heróis de capa e espada apenas nos levam ao seu mundo, repleto de seres fantásticos, e do qual nós somos apenas espectadores.
Notas de Rodapé
[1] Originalmente a história de Star Wars era chama de “As Aventuras de Starkiller” e contaria a história do mestre de Luke. Nesse rascunho, já existiam as principais personagens presentes em todos os filmes. Ao retrabalhar o roteiro, Lucas resolveu dividir a história, assim poderia seguir contando-a num próximo filme, claro se esse primeiro fizesse sucesso. Uma Nova Esperança foi o ponto de partida pois era o filme mais economicamente viável, e o qual havia tecnologia disponível para filmá-lo. Lucas só resolveu voltar à franquia quando viu o resultado que sua empresa de efeitos especiais produziu para o longa Jurassic Park (1993). Nesse momento ele percebeu que havia tecnologia suficiente para produzir a pré-trilogia.
[2] O termo “monomito” é de James Joyce, Finnegans, Nova York, Viking Press, Inc., 1939, p. 581.
[3] A representação da geração espontânea é uma alegoria das figuras mitológicas de Hórus, Krishna, Jesus Cristo e Mitra, todos nascidos sem a intervenção de um pai e precedidos por uma profecia.
[4] Ordem de cavaleiros, que dominam o uso do lado luminoso da Força. Por mais de mil gerações, os Cavaleiros Jedi foram os guardiões da paz e da justiça na Velha República. Antes dos tempos sombrios. Antes do Império .(Obi-Wan Kenobi)
[5] Segundo o filme, a Força é um campo de energia criado por todas as coisas vivas. Ela está presente em todos os lugares, e é ela que mantém a galáxia unida. Ela existe graças a seres microscópicos chamados Midi-chlorians, que vivem dentro das células de todos os seres vivos como simbiontes, produzindo vantagens para ambos.
[6] A Força possui dois lados representados pelos: Jedi, ou o lado da luz, o bem; e os Sith, o lado sombrio, o do mal. Uma curiosidade: até 2004, o Dark side of the Force, era traduzido como “o lado negro da Força”. Em 2005, o governo federal criou a cartilha Politicamente Correto & Direitos Humanos, que tinha o objetivo de extinguir o uso de palavras que tivessem conotação racista. A Vingança dos Sith foi um dos primeiros filmes a ter a sua dublagem revista para se adequar a cartilha. Um dos exemplos mais engraçados da cartilha, que aparece em um filme, é a referência a um anão, chamado lá de “verticalmente prejudicado”.
[7] Darth Vader é uma analogia a Dark Father ou “Pai Sombrio”.
[8] C-3PO é o dróide de protocolo. Conhecia mais de 6 milhões de idiomas. R2D2 é um astrodóide, responsável pela manutenção de naves espaciais.
[9] Yoda foi o mais poderoso Jedi da galáxia, apesar de sua baixa estatura e sua idade avançada. Ao criar o design do personagem, o supervisor de criaturas e maquiagem Stuart Freeborn, usou Albert Einstein como modelo para o rosto do boneco. A animação ficou por conta de Frank Oz, responsável pelas personagens de Muppets.
[10] Foram construídas duas Estrelas da Morte. A primeira foi destruída por Luke durante a batalha de Yavin. A segunda durante a batalha de Endor, pelas forças rebeldes.
[11] Pod Racer é o veículo usado por Anakin para competir no circuito de Boonta Eve, em Mos Espa, Tatooine. A corrida é uma homenagem ao filme Ben Hur e às competições de Bigas.
[12] Coruscant é a capital da república galática. Apesar da grafia com “sc”, a pronúncia certa é com som de “ss” “Corussant”.
[13] A Federação do Comércio é uma organização tão poderosa que mesmo não sendo um planeta ou sistema planetário, conseguiu conquistar uma vaga no senado galático. Ela detém as principais rotas de abastecimento e suprimento da galáxia.
[14] Palpatine começou sua carreira política como Senador pelo planeta Naboo. Com a invasão do planeta pelas tropas da Federação do Comércio, sua influência no senado aumentou a ponto, de com a deposição do ex-chanceler Valorum, ser um dos três indicados ao posto. Palpatine acabou vencendo a disputa. Como Chanceler Supremo da Galáxia, Palpatine foi orquestrando uma maneira de se perpetuar no poder. Durante a crise do início das guerras clônicas, ele conseguiu com que o senado ampliasse o seu mandato, e ainda votasse uma lei que lhe desse poderes absolutos, para tentar acabar com a guerra. No fim das guerras clônicas, Palpatine, numa convocação extraordinária do senado, transformou a República Galática, em Império Galático, se auto proclamando imperador.
[15] Esse estilo de vida foi baseado nos monges tibetanos, que têm uma vida de desapego aos bens materiais.
[16] Povo da Areia.
REFERÊNCIAS
BOX OFFICE MOJO. All Time Box Office. Burbank. Disponível em:
http://www.boxofficemojo.com/alltime/world/. Acesso em 20/03/2007.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo. CULTRIX/ PENSAMENTO, 2003.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo. PALAS ATHENA, 1990.
CHEVALIER, Jean. Dicionário de Símbolos. Rio de Janeiro. JOSÉ OLYMPIO, 2006.
DECKER, Kevin S; EBERL, Jason T. Guerra nas Estrelas: mais poderoso do que você imagina. São Paulo. MADRAS, 2005.
LIMA, João G. de. A volta triunfal da força. Veja. São Paulo. n.1487. p.130-136. Fev. 1997.
O PODER DO MITO. Produção de Catherine Tatge. Cultura Marcas, 1988. 2 DVD (354 min).
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ. Normas Técnicas: elaboração e apresentação de trabalho acadêmico-científico. Universidade Tuiuti do Paraná. – 2. ed. – Curitiba : UTP, 2006. Disponível em:
http://www.utp.br/normastecnicas. Acesso em: 20 mar. 2007.
STAR WARS EPISÓDIO I – A AMEAÇA FANTASMA. Direção de George Lucas. 20th Century Fox Home Enterteinment, 2004. 2 DVD (135 min).
STAR WARS EPISÓDIO II – O ATAQUE DOS CLONES. Direção de George Lucas. 20th Century Fox Home Enterteinment, 2004. 2 DVD (143 min).
STAR WARS EPISÓDIO III – A VINGANÇA DOS SITH. Direção de George Lucas. 20th Century Fox Home Enterteinment, 2004. 2 DVD (139 min).
STAR WARS TRILOGIA. Produção de George Lucas. 20th Century Fox Home Enterteinment, 2004. 4 DVD (627 min).
REYNOLDS, David West. Star Wars Episódio I – O Dicionário Visual. São Paulo. CONRAD EDITORA, 1999
XAVIER, Ismail. O Cinema no Século. Rio de Janeiro. IMAGO EDITORA, 1996.
Os Rituais de Passagem em Star Wars, por Thiago Amadigi, 2007
Que tal aprender mais sobre Storytelling?
Uma boa história pode ser contada em uma mesa de bar, mas também pode ser utilizada para convencer uma pessoa, vender um produto, compartilhar uma ideia, transmitir uma informação difícil ou facilitar a compreensão de dados. Invista na habilidade #1 da liderança empresarial.
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