Storytelling & Copy

Storytelling & Copy

Noutro dia deparei-me com o anúncio de um ‘profissional de Storytelling’:

“Ajudamos as organizações a criar culturas fortes que exploram o esforço discricionário e desbloqueiam o potencial unindo as pessoas por trás de valores, objetivos, mentalidades e comportamentos compartilhados.”

Deixando de lado a expressão ‘esforço discricionário’, continuei lendo. “A cultura é construída sobre as histórias que moldam e sustentam 'a maneira como fazemos as coisas por aqui'. Nós (NOME DO PROFISSIONAL QUE OFERECE O TRABALHO) intervimos na raiz, ajudando líderes e campeões a se tornarem contadores de histórias inspiradoras e modelos, capazes de conquistar o coração e a mente das pessoas com uma história cultural motivadora. Damos aos gerentes os meios para desbloquear o poder das suas equipes e equipar as pessoas para fazerem sua parte. E construímos uma cultura de contar histórias que celebra os seus colaboradores e na qual eles aprendem com exemplos pessoais de melhores práticas, gerando o impulso necessário para mudar 'a maneira como fazemos as coisas por aqui'.”

Fora o plural majestático, sendo uma pessoa só, não sei porque raios usa o plural para falar de si mesmo, fora também coisinhas como ‘equipar as equipes’ e, sem ir fundo numa análise textual, dá para perceber que o ‘profissional’ reza por uma cartilha ianque. Ao ler, a gente sente a bandeira norte-americano tremulando nosso focinho.

storytelling
Storytelling, copy e os anúncios.

Resumindo o restante do anúncio, fora tudo isso, o que me surpreendeu na leitura, ou melhor, estarreceu, é que não se tratava de uma oferta de serviços de ‘Storytelling’ ou consultoria na área de histórias. Era uma anúncio de Copy/ Copywriting — texto publicitário. Como modelos de copywriting: textos publicitários cujo propósito é promover para vender, estavam sendo oferecidos como o ideal para ‘desbloqueiam o potencial unindo as pessoas por trás de valores, objetivos, mentalidades’?

Eis aí um exemplo de um mau profissional.

Ah!, pensei eu quando terminei de ler, onde há fumaça, há fogo. Emendando uma outra metáfora, aprendi nos meus quase 42 anos de profissão que a gente esbarra sempre na ponta do iceberg, que mais para baixo é que fica maior e —pior!

Imediatamente fui visitar a minha biblioteca favorita: Google. E não precisou pesquisar muito para descobrir que é uma prática comum, não necessariamente apenas nos países em que a palavra Storytelling é um neologismo, mas mesmo nos países de fala inglesa, há uma confusão imensa, normalmente por parte de quem trabalha com texto publicitário, anunciar que trabalha com “Storytelling”. Verdade é que isto é ruim para quem trabalha com redação publicitária, pois há redatores fenomenais, mas, excetuando-se as histórias formulaicas dos textos comerciais, não conseguiriam escrever um conto, nem que disso lhe dependesse a vida. Claro, salvo a exceções.

Há duas razões, pelo que percebi, para que misturem alhos com bugalhos. A primeira é o total desconhecimento do que seja a arte e a ciência que se tornou o que se convencionou chamar de ‘Storytelling’. A segunda, dei-me conta de uma certa timidez do profissional do ‘copy’. A maioria freelances, muito mal paga, hiperinsegura do que faz; então, doura a pílula, encapando a função que desempenha com o papel de outra profissão, a do consultor de histórias.

Estruturando o Storytelling

Há, também, duas razões pelas quais acho bobagem ter vergonha da profissão e dourar a pílula, levando alguém a crer que domina uma área que, afinal, só precisa dominar em parte e, ainda assim, ser um excelente profissional.

Mas vou deixar isto em suspense de definir , a grosso modo, o que é uma coisa e o que é a outra.

Storytelling (neologismo): é a arte e ciência de comunicar ideia, mensagens, emoções ou eventos, através de palavras, imagens e sons criativos. Isto é, quando contas uma história, a imagem que você tem no seu cérebro é transmitida ao cérebro da sua audiência e a sua mensagem é percebida como autêntica. O Storytelling tem como função ENCANTAR PARA TRANSFORMAR.

Storytelling como meio de transformar as histórias.

Copywriting (neologismo): é o processo de produção de textos persuasivos para ações de propaganda, marketing e vendas, como o conteúdo de e-mails, sites, catálogos, anúncios e panfletos de vendas. O Copywriting tem como função PERSUADIR PARA VENDER.

Em suma: storytelling encanta — amacia o interlocutor —, copywriting leva, sobretudo, à ação de compra!

Uma das razões que leva à confusão é que, para que um texto se torne persuasivo sem ser formuláico (cliché, repetitivo), precisam-se de histórias bem estruturadas. Daí a importância de o ‘copywriter’ ter um domínio pelo menos básico de como se alinham e funcionam as histórias.

Então, retomando o que suspendi.

Não se deve ter constrangimento por ser um copywriter e não um consultor de histórias. Primeiro, quanto ao eu achar bobagem ter vergonha da profissão e dourar a pílula. Um bom copywriter é necessário para VENDER uma consultoria de histórias. Olha que máximo! Segundo, na verdade, o profissional do Storytelling é um teórico ou consultor no campo do encantamento, da comunicação por meio do encantamento, dos primeiros passos, por meio do encantamento, na direção da criação de um ambiente favorável a persuasão, negociação e vendas.

O profissional do Storytelling atua no campo das ideias, o copywriter, no campo das ações. Coisas complementares, mas funções distintas — mesmo que executadas pela mesma pessoa. Numa situação de vendas, por exemplo, ambos os profissionais são precisos. Só que, claro, a função das histórias é imensamente mais alargada, abarca, numa empresa, digamos, o RH, a cuidado com a imagem, a definição da marca, a consolidação dos valores etc e tal. Daí, a oferta de que um copywriter ajudaria as organizações a criar culturas fortes que exploram o tal ‘esforço discricionário’ — seja lá o que for — e desbloqueia o potencial, unindo as pessoas por trás de valores, objetivos, mentalidades e comportamentos compartilhados, não é verdade.

Enfim, ara finalizar.

Como tudo na vida, ambas as profissões podem ser transformadoras da realidade ou não transformar nada se forem executadas por maus profissionais. Como nos últimos anos passou-se a vender a ideia de que copywriting se resolve com muita fórmula e pouca criatividade, dá no que deu, recebo o anúncio de um indivíduo oferecendo serviços próprios do Storytelling e termina o anúncio apregoando Copywriting.

Ainda bem, a meu ver — ‘ponto para ele’ — o e-mail não falava nadinha da afamada Jornada do Herói, pois o profissional mediano, que trabalha com copy, alega que, aplicar a ‘jornada’ para tudo resolve tudo, sem nunca terem lido uma linha ou discutido com um académico da área um conceito desta jornada cíclica presente em mitos, de acordo com o antropólogo Joseph Campbell. Mas isto são outros quinhentos, assunto para outro artigo. A boa notícia é que nos meus cursos e formações, mais de um terço são profissionais que precisam de histórias para alavancar as suas empresas por meio dos textos que produzem utilizando técnicas e fórmula de ‘copy’. Ou seja, quem conta a melhor história a fim de alavancar o texto da sua ‘copy’, vence! E não precisa ficar usando plural majestático, OK?

James McSill
James McSill
[email protected]

Um dos consultores de histórias mais bem-sucedidos do mundo, autor, conferencista e filantropo.

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